Gilmar Mendes determinou que a apuração fique paralisada até que o STF decida sobre um pedido para anular a abertura de inquérito.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu inquérito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que investiga o desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em julho do ano passado, Siqueira foi flagrado humilhando um guarda municipal de Santos, no litoral de São Paulo, após ter sido multado por não utilizar máscara enquanto caminhava pela praia.
A ação do desembargador foi filmada pelos guardas. As imagens mostraram que ele rasgou a multa e chamou um dos agentes de analfabeto. “Leia bem com quem o senhor está se metendo”, disse Siqueira ao guarda, mostrando um documento.
Cinco dias após o episódio, Siqueira divulgou uma nota, na qual pediu desculpas e disse que o trabalho do guarda foi “irrepreensível”. Diante da conduta, ele passou a ser alvo de um processo administrativo disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e foi afastado no fim de agosto.
Já os guardas municipais Cícero Hilário, de 36 anos, e Roberto Guilhermino, de 41, que foram alvos da ação do desembargador, foram homenageados pelo então prefeito da cidade, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), e receberam medalhas por conduta exemplar.
Mendes atendeu a um pedido da defesa do desembargador. O ministro entendeu que há indícios de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa durante o julgamento do STJ que autorizou a abertura de inquérito para apurar se Siqueira cometeu crime de abuso de autoridade e se houve infração de medida sanitária por parte do magistrado.
Os advogados alegaram ao STF que o julgamento da Corte Especial do STJ, que reúne os ministros mais antigos da Corte, começou sem que a defesa fosse intimada para se manifestar sobre o recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) para manter a investigação.
Inicialmente, o ministro Raul Araújo, relator do pedido, rejeitou a abertura do inquérito requerida pela PGR. Segundo o ministro, não ficou configurado o delito de abuso de autoridade, uma vez que tal crime exigiria que o agente invocasse a condição de funcionário público para descumprir obrigação prevista em lei. A PGR questionou o entendimento do ministro e, por 10 votos a 3, a Corte autorizou a investigação pedida pelo Ministério Público Federal.
Em decisão publicada nesta segunda-feira (18), Gilmar paralisou a apuração até que o Supremo decida sobre o pedido para anular a abertura do inquérito. O desembargador deveria ter prestado depoimento na sexta-feira (15).
“A iminência do início da instrução do inquérito [depoimento] precipita o risco de ocorrência de prejuízos de difícil reparação ao paciente [desembargador], afigurando-se prudente a suspensão do procedimento administrativo até que as razões verossimilhantes de mérito da impetração sejam oportunamente apreciadas”, escreveu o ministro.
Perseguição
Após o episódio na praia, a defesa de Siqueira afirmou que, na ocasião, o magistrado foi “perseguido e ilegalmente filmado pela Guarda Civil Municipal de Santos”. O desembargador também afirma ter sido vítima de uma armação no episódio em que foi filmado chamando o GCM de ‘analfabeto’, rasgando a multa, jogando o papel no chão e, por fim, dando uma ‘carteirada’ ao telefonar para o secretário de Segurança Pública do município, Sérgio Del Bel, para que o mesmo ‘intimidasse’ o guarda municipal.
“Acabou sendo vítima de uma armação, um flagrante preparado, engendrado pelo guarda municipal autor [da ação indenizatória] e seu colega Roberto, que sabia das abordagens anteriores, especialmente da última, quando, pela primeira vez, houve uma altercação”, cita a defesa do magistrado na contestação.
Siqueira aponta, também, que se exaltou com o guarda municipal após “sucumbir à provocação”. Segundo a defesa, o magistrado sofre de “mal psiquiátrico, sendo acompanhado por médico de alta capacidade há alguns anos, que lhe prescreveu medicamentos para controle de seu estado emocional, alguns de uso controlado”. Na ocasião, no entanto, Siqueira estava “há algum tempo privado de adequada medicação, causando-lhe descompensação”.