Com orla do Rio Vermelho fechada, devotos e admiradores do orixá terão que se adaptar para prestar reverências à rainha do mar. Presente coletivo será levado para praia.
Realizada em todo dia 2 de fevereiro desde o início da década de 1920, a tradicional Festa de Iemanjá, reconhecida como Patrimônio Cultural de Salvador no ano passado, não terá participação popular nesta terça-feira (2).
A mudança foi feita para evitar aglomerações que podem propagar a Covid-19, já que milhares de pessoas se reúnem no Rio Vermelho para saudar o orixá. A orla do bairro ficará fechada e outras praias da capital permanecerão abertas para receber os presentes da rainha do mar.
Um desses presentes será levado por Lucina Teixeira. Ela é devota de Iemanjá e participa da festa há mais de 10 anos. Junto com as amigas, ela faz camisetas para homenagear o orixá todos os anos. Com a pandemia, será diferente.
“Temos que nos conformar, mas nem por isso a gente vai deixar de prestar nossa homenagem a ela. Estou me programando ir em outra praia jogar minha oferenda”, ressalta.
Lucina revela ainda o pedido que fará para Iemanjá e destaca que este é o momento de pensar no coletivo.
“Nessa época que nós estamos, a única coisa que podemos pedir é o fim da pandemia, para a gente voltar a ficar alegre. Porque mesmo não tendo o coronavírus, é difícil se sentir alegre, já que há tantas pessoas que estão morrendo”, diz.
No dia da festa, muitos pescadores colocam o barco no mar para agradecer, mas também para fazer o transporte dos devotos ao mar, para a entrega dos presentes, Um deles é o Nilinho, membro da Colônia de Colônia de Pescadores Z1. Para ele a falta da festa representa um “tombo” grande para a comunidade.
“Está triste para a gente, [que é] pescador. A gente vive disso, do mar, então a festa é um dinheirinho a mais. Já está difícil por causa da pandemia, agora mais. Quem tomou tombo foi a gente”, revela.
Filha de Iemanjá, Arize Freitas também costuma ir ao Rio Vermelho para fazer seus agradecimentos. Ano passado, ela passou por um momento de saúde difícil após testar positivo para Covid-19. Diante da situação, Arize conta ter mais um motivo para prestar reverência à dona das águas salgadas.
“Tive Covid em novembro e foi muito difícil para mim. Perdi o paladar e ainda não recuperei totalmente, ainda tem coisas que eu não sinto [o gosto] direito. Quando não estamos bem, nos apegamos ainda mais à nossa mãe e foi o que eu fiz. Eu sei que sem ela, eu não teria conseguido. Yemonja [Iemanjá] cuidou de minha cabeça como toda mãe faz com seu filho”, diz.
“As oferendas são por devoção e também por gratidão. Pretendo respeitar as determinações e colocarei meu presente em outra praia. O Rio Vermelho carrega a simbologia, mas a rainha das águas está onde a água está”.
Assim como Arize Freitas, Érico de Moraes também não vai deixar de reverenciar a Rainha do Mar. Ele conta que a ligação com o mar vem desde pequeno.
“Eu entendo que não é o momento para a festa, por causa das aglomerações. Mas fico triste de não poder ir para o Rio Vermelho, já que a orla vai estar fechada. Não vou deixar de deixar levar minha oferenda, vou em outra praia. A certeza é de que estarei no mar”, relata.
A atriz Fernanda Beltrão conta que compreende o fechamento da orla do Rio Vermelho por questões de saúde pública. Ela também participa da festa há alguns anos e costuma reunir amigos e familiares no dia 2 de fevereiro. Esse ano, a devoção será de outra maneira.
“Eu acho que a medida de fechar é necessária, acho que é realmente fundamental que isso aconteça por segurança. Vou expressar minha crença de outra forma. É uma data que eu sempre reunia os amigos e a família, mas diante de tudo o que tem acontecido, fazer festa não é a coisa mais importante no momento e acredito que Iemanjá entenderá isso. A vacina chegou e é para celebrar, mas ainda não estamos no estágio de aglomerar”, avaliou.https://50e54003baf892e8c5d17ff7a0b41f99.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html?n=0
A festa
A Festa de Iemanjá foi reconhecida como Patrimônio Cultural de Salvador no dia 1º de fevereiro de 2020. O reconhecimento foi feito pela Fundação Gregório de Mattos (FGM), para salvaguardar e promover saberes ligados à manifestação religiosa.
Antes de ganhar o nome de “Festa de Iemanjá” e a dimensão que tem atualmente, a celebração começou com 25 pescadores e era chamada apenas de “Presente da Mãe d’Água”. Esse presente era entregue como forma de pedido para que o orixá das águas salgadas resolvesse a escassez de peixes.
Só em 1950, que a dona do presente teve seu nome vinculado à comemoração. A Festa de Iemanjá é a das principal manifestação com origem nas religiões de matrizes africanas em Salvador, sem o sincretismo religioso.https://50e54003baf892e8c5d17ff7a0b41f99.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html?n=0
Apesar da celebração à Iemanjá ser no dia 2 de fevereiro, os festejos começam ainda no dia 1º, com a abertura do caramanchão – estrutura semelhante a um galpão de proteção – ao lado da colônia de pescadores. É nesse local em que os devotos começam a colocar seus presentes, que serão levados para o mar.
Com a pandemia, o presente será feito de forma coletiva. De acordo com a prefeitura, ele foi escolhido em conjunto com pescadores e entidades religiosas e será levado ao mar às 8h, após sair do Dique do Tororó. Toda a homenagem será transmitida nas redes sociais da prefeitura.