Reformas administrativa e tributária, PEC do pacto federativo, PEC emergencial e novo programa social envolvem valores elevados. Medidas podem alterar forma como governo gasta e arrecada.
Com o fim do recesso e as eleições de novos presidentes para a Câmara e o Senado, no início de fevereiro, a área econômica do governo Jair Bolsonaro pretende retomar a discussão de reformas estruturais. Boa parte das medidas tenta frear o gasto público, mas o debate de um novo programa social também deve se manter no radar em 2021.
A agenda do governo é encabeçada pelas propostas de emenda à Constituição (PECs) da emergência fiscal e do pacto federativo, além das reformas administrativa e tributária (veja detalhes de cada uma abaixo). O novo programa social, para sair do papel, precisa do “espaço orçamentário” que essas medidas pretendem abrir.
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Se levadas adiante, as reformas representarão mudanças profundas tanto na forma de arrecadar recursos, quanto nas despesas de União, estados e municípios. Dentro desse pacote de medidas, há discussões como:
- o retorno da CMPF, antigo “imposto do cheque” e com potencial impacto sobre transações digitais;
- a redução de jornada e salário dos servidores públicos, que hoje não é prevista pela legislação;
- novas regras para gastos mínimos em saúde e educação;
- redução de benefícios para servidores públicos, e
- revisão de programas sociais que já existem.
Na equipe econômica, a prioridade é evitar o aumento de gastos e conter o avanço da dívida pública, enquanto os estados e municípios querem abocanhar uma parcela da arrecadação federal para manter benefícios fiscais a empresas. A sociedade civil, enquanto isso, luta para evitar uma deterioração ainda maior dos serviços públicos.
Governo, estados e sociedade
No começo do ano, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, declarou que 2021 seria “definido” por um processo de “consolidação fiscal”, ou seja, de ajuste nas contas públicas. “A grande tarefa do governo em 2021 vai ser de manter o lado fiscal sob controle”, disse.
O objetivo é impedir uma alta ainda maior da dívida bruta, que deve bater recorde ao ultrapassar 90% do PIB em 2020 por conta dos gastos com a Covid-19 – bem acima da média dos países emergentes (cerca de 60% do PIB).
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No governo, há também resistência em prorrogar o auxílio emergencial, apesar do aumento da pressão no Congresso Nacional, e uma tentativa de encontrar caminhos para acelerar a privatização de estatais.
Já os estados querem abocanhar uma parcela maior da arrecadação da União, como forma de manter os benefícios fiscais para empresas. Eles pedem cerca de R$ 480 bilhões ao longo de dez anos para abastecer o fundo de desenvolvimento regional e o fundo de exportações.
Espremida na disputa por recursos, a sociedade civil tenta garantir que os direitos atuais sejam preservados. Formada por mais de 200 associações e consórcios de gestores públicos, fóruns e conselhos, a Coalizão Direitos Valem Mais pediu melhora nos serviços ofertados à população se posicionou pelo aumento de recursos no orçamento de 2021 para as áreas saúde, educação e assistência social.
Mudanças na arrecadação
Do lado da arrecadação, segundo analistas, o cenário atual da economia é marcado por um sistema tributário confuso, ineficiente e que dificulta o aumento da produtividade e do emprego. Para melhorar esse quadro, está sendo discutida uma reforma tributária.
Segundo o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI, órgão ligado ao Senado), Josué Pellegrini, falta simplicidade e transparência ao atual sistema tributário brasileiro.
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Para ele, porém, os principais problemas são a falta de neutralidade (ou seja, excesso de interferência no sistema econômico) e a regressividade — peso maior da tributação sobre os mais pobres.
“Nosso sistema realmente é muito ruim. É muito difícil piorar em caso de mudanças, de tão ruim que ele é”, disse Pellegrini. O diretor do IFI sugere:
- a instituição de um imposto agregado (IVA) nacional sobre o consumo, para buscar a neutralidade, e
- a redução do peso dos impostos sobre consumo e folha de pagamentos, com aumento da tributação sobre a renda e diminuição de benefícios fiscais.
Tributação sobre o consumo
A proposta do governo envolve mudanças somente em impostos federais, mas os estados querem uma reforma mais abrangente dos tributos sobre o consumo, englobando também tributos estaduais e municipais.
Os governos estaduais pedem um alto volume de recursos para manter benefícios fiscais e estimular as exportações, o que foi já foi rechaçado pelo governo. Com a reforma em tramitação, a palavra final caberá ao Legislativo.
Até o momento, somente a tributação sobre o consumo está em debate. Nesse caso, nenhuma das esferas de governo admite perder recursos.
Se PIS, Cofins, ICMS e ISS forem apenas unificados, sem revisão das alíquotas que hoje são endereçadas a União, estados e municípios, a alíquota do IVA nacional deve se tornar uma das maiores do mundo, ao redor de 30%.
CPMF, folha de pagamentos e tabela do IR
Em fases futuras da reforma tributária, que sequer começaram a ser discutidas, o governo:
- avalia a possibilidade de um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da extinta CPMF,
- quer desonerar a folha de pagamentos das empresas e
- reduzir o Imposto de Renda das pessoas jurídicas.
Em consonância com as principais economias do mundo, o governo também estuda voltar a tributar lucros e dividendos (algo que foi abandonado na década de 90).
A área econômica estuda, ainda, propor a correção da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, uma promessa de campanha do presidente Bolsonaro, medida que beneficiaria a parcela mais rica da população.
Em declarações recentes, Bolsonaro já demonstrou que vê dificuldades em cumprir a promessa.
Alterações nos gastos públicos
Na outra ponta, do lado das despesas públicas, os analistas avaliam que há espaço para melhorar a forma de gastar os recursos arrecadados.
Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) divulgado em 2019 mostra que o Brasil gasta muito e gasta mal. “Há amplo espaço para melhorar os serviços oferecidos à população sem implicar em aumento dos gastos públicos”, diz o documento.
Teto de gastos
Oficialmente, o governo prega a manutenção do teto de gastos — mecanismo que limita a maior parte das despesas à variação da inflação do ano anterior. Com isso, os gastos não obrigatórios devem ser os menores em 14 anos em 2021, o que impactará despesas em saúde, educação e serviços públicos, como fiscalização do meio ambiente, do trabalho escravo e bolsas de estudo
A Coalizão Direitos Valem Mais pediu o fim do teto de gastos, com a criação de uma nova regra fiscal e realização de uma reforma tributária — com a tributação emergencial dos setores mais ricos.
A organização também avaliou que a “realidade exige condições orçamentárias adequadas para proteger a população do crescimento vertiginoso do desemprego, da fome e da miséria” no contexto de enfrentamento da pandemia do coronavírus.
PECs emergencial e do pacto federativo
O Ministério da Economia defende, na PEC da emergência fiscal, o fim de reajustes aos servidores enquanto as contas não estiverem equilibradas, além da possibilidade de redução de jornada e salário funcionários públicos.
O governo também propôs a unificação do piso de gastos em saúde e educação, enquanto o relator da PEC, senador Marcio Bittar (MDB-AC) defendeu o fim desse gasto mínimo. A proposta do relator ainda não foi apresentada.
No ano passado, o Ministério da Economia chegou a apoiar uma proposta para congelar os benefícios de aposentados por até dois anos. Essa alternativa, porém, já foi afastada pelo presidente Jair Bolsonaro, que ameaçou dar um cartão vermelho a quem defendesse a medida.
Reforma administrativa
O governo divulgou no ano passado uma proposta de reforma administrativa, com fim da estabilidade para parte dos novos servidores públicos, além de vedar promoções ou progressões na carreira exclusivamente por tempo de serviço e de acabar com outros benefícios. A ideia é diminuir os gastos com o funcionalismo e economizar R$ 300 bilhões em dez anos.
Dados do Instituto Millenium mostram que o Brasil gastou 13,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, cerca de R$ 930 bilhões, com servidores públicos federais, estaduais e municipais. É o dobro das despesas com educação e 3,5 vezes as despesas com saúde (3,9% do PIB).
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Em manifesto divulgado no fim de 2020, porém, 29 entidades ligadas aos servidores, entre elas Fenafisco e Sindjufe, avaliaram que a proposta do governo ignora aspectos de gestão e foca exclusivamente no ajuste das contas públicas.
As entidades argumentaram que ela também cria um modelo de avaliação de desempenho que permite o assédio e a demissão de servidores “que não certifiquem medidas de interesse estritamente político”.
Novo programa social
Segundo analistas, o governo também deve retomar a discussão sobre a reformulação do Bolsa Família neste ano. Após o aumento da popularidade do presidente Bolsonaro em 2020 com o pagamento do auxílio emergencial, o objetivo seria aumentar o número de beneficiários e o valor pago no Bolsa Família – que teria o nome alterado para “Renda Brasil” ou “Renda Cidadã”.
A área econômica defende, porém, que essa reformulação seja feita dentro do teto de gastos, o que limitaria o alcance do novo programa. De acordo com Leonardo Ribeiro, analista do Senado Federal e especialista em finanças públicas, o teto de gastos reduz bastante o grau de liberdade que o governo tem para desenhar esse novo programa social, pois precisará cortar gastos correntes.
“A pandemia aumentou no mundo inteiro, não só no Brasil, a desigualdade social. É inevitável que o Congresso, e o governo, atuem nesse sentido [de reforçar programa sociais]. Já existem projetos de lei tramitando no Congresso. Acho que o próprio Poder Executivo já deve ter alguma proposta, algum desenho esboçado. Acho que, assim que forem definidas as lideranças na Câmara e no Senado, tem probabilidade alta de se discutir uma agenda social”, concluiu.