A demanda pelo biocombustível pode ganhar uma nova dimensão, além de facilitar o abastecimento de veículos elétricos em qualquer posto brasileiro
A ciência pode estar perto de viabilizar carros elétricos sem tanque de hidrogênio, que dispensam recarga em tomadas e que podem ser abastecidos em qualquer posto do Brasil. O estudo conduzido pelo Centro de Inovação em Novas Energias (Cine) e publicado no International Journal of Hydrogen Energy se propõe a melhorar a estabilidade de células de combustível a etanol.
O Brasil é o maior produtor mundial de etanol de cana-de-açúcar e o segundo maior quando consideradas outras matérias-primas. O biocombustível renovável vem sendo vendido em todos os postos do país. Mas, agora, além de encher os tanques dos carros que têm motor de combustão interna, pode ser usado também para movimentar carros elétricos.
Isso porque o etanol pode ser usado para gerar hidrogênio e, a partir dele, produzir eletricidade. O processo, neutro em emissões de carbono, é integralmente realizado em um único dispositivo: uma célula a combustível de óxido sólido (SOFC, na sigla em inglês), assim chamada porque seu eletrólito é composto por um material sólido, geralmente um óxido.
No carro elétrico a etanol, cujo primeiro protótipo foi lançado pela Nissan em 2016, não há tanques de hidrogênio e as baterias dispensam tomadas para recarregá-las. Em vez disso, há uma célula a combustível a etanol.
Agora, uma pesquisa liderada por Fábio Fonseca, do Cine, deu um passo importante no sentido de melhorar o desempenho dessas células a combustível. “O trabalho aprofunda uma sequência de estudos em que tentamos avançar o uso de etanol em células a combustível de óxidos sólidos”, diz Fonseca, que é gerente do Centro de Células a Combustível e Hidrogênio do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).
“O impacto que essa tecnologia pode ter no país é gigantesco”, informa o pesquisador. “Podemos pensar em automóveis que dispensam tanques complexos de hidrogênio e capazes de abastecer em qualquer posto, com carregamento tão rápido quanto encher o tanque de etanol. Podemos ir além e levar eletricidade a comunidades distantes do grid, bastando abastecê-las com o etanol – um carregador denso de energia líquido, renovável e disponível”, completa.
Desafios e possíveis soluções para o uso do etanol
As SOFCs estudadas por Fonseca e colaboradores são formadas por camadas de materiais diferentes que cumprem funções complementares. Duas camadas compõem o ânodo. Na catalisadora, o etanol é transformado em hidrogênio e compostos baseados em carbono. Na eletroquímica, a energia química do hidrogênio é convertida em energia elétrica por meio de reações redox.
O processo, contudo, ainda apresenta limitações, principalmente, a formação de depósitos de carbono na célula a combustível, que prejudicam o seu desempenho ao longo do tempo.
Pensando em resolver esse problema, o grupo desenvolveu variantes do material que compõe a camada catalisadora do ânodo, normalmente constituída por um compósito de níquel (Ni) e óxido de cério (CeO2). Os pesquisadores introduziram pequenas proporções de outros elementos (todos metais não preciosos) no óxido de cério e avaliaram o desempenho de cada nova variante como catalisadora da conversão do etanol na SOFC.
“Estudamos sistematicamente o uso de elementos dopantes visando melhorar o desempenho e minimizar a dependência de metais preciosos na conversão interna e direta de etanol em eletricidade”, conta Fonseca. “A ideia final é ter estabilidade e evitar a degradação do dispositivo”, completa.
O estudo mostrou que o óxido de cério dopado com zircônio ou nióbio evita os depósitos de carbono sem prejudicar a decomposição do etanol em hidrogênio e mantendo estável o funcionamento da SOFC por, pelo menos, cem horas. Em outras palavras, o material mostrou-se eficiente para transformar etanol em hidrogênio sem gerar efeitos não desejados em células a combustível de óxido sólido.
O que é o Cine?
O Cine é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Shell na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).
Fonte: www.canalrural.com.br